A República de Platão é o livro mais conhecido do filósofo grego. Contudo, em "O Banquete", também conhecido como Simpósio, Platão vai discutir as naturezas do amor e da alma.
Avaliação (formativa e sumativa) do Desempenho Docente (ADD).
Entendo, com base da minha observação e experiência no terreno - assente no facto de já ter sido avaliado, avaliador interno e externo - que o avaliador interno, como bem salienta Ricardo (2016, p. 237), tem responsabilidades formativas e, com o avaliador externo, partilham entre si responsabilidades sumativas no resultado final, até porque, no caso de não ser alocado avaliador externo, o avaliador interno deterá a totalidade da responsabilidade na classificação final. Porque haverá sempre tensões, por amizade ou inimizade, a pautar o relacionamento entre ambos, que poderão colocar em crise a objetividade, o rigor e a justiça, concordo, em absoluto, com mesmo autor quando vinca (p. 241) que, “além da necessidade da aceitação por parte dos avaliados”, importa é o “reconhecimento do perfil, ou seja, das competências dos avaliadores por parte dos avaliados”. Daí que subscreva Ricardo (2016, p. 227) por defender que “o processo da ADD tem de ser transparente, bem explícito e não enfatizar o indivíduo em detrimento da equipa/grupo” porque, se assim não for, não servirá “para gerir, motivar e desenvolver o pessoal” (Curado, 2000, p. 47).
Parte desta minha reflexão encontra vasos comunicantes com outra questão orientadora, até porque entendo a postura da, porventura, maioria dos supervisores pedagógicos que incorpora na sua ação o essencial do desígnio inscrito no Artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 26/2012 , embora deva alertar-se, como avisa Ricardo (2016, p. 234) que “os resultados da ADD têm implicações na vida social e psicológica dos docentes”. O supervisor pedagógico, defendo-o, deverá considerar os aspetos contextuais, mas, acima de tudo, deverá priorizar o diálogo reflexivo com o supervisionado (Clandinin e Rosick, 2007, cit. Viera & Moreira, 2011, p. 40), garantindo um acompanhamento contínuo, de pendor vincadamente formativo, de todos os contributos do avaliado na dimensão da participação e relação com a comunidade e desenvolvimento profissional.
Por fim, e como evidenciaram Feiman, 1982: Huberman, 1992; Cavaco, 1993, existem várias fases com diferentes motivações no decurso da carreira docente. Por isso, como salvaguardou Ricardo (2016, p. 228), os referencias da ADD deveriam ir mudando ao longo da evolução do supervisionado, isto é, de acordo com o patamar da carreira e o nível de ensino. Em consequência, o estilo - socorrendo-me até da minha abordagem em post anterior - deverá sintonizar-se com a fase, as necessidades e as expectativas do supervisionado. De resto, e consoante os estádios na carreira, também preconizo que o modelo da ADD de um monodocente deva ser diverso de um do ensino secundário, bem como deverão ser diferentes os critérios de avaliação do desempenho de professores com diferentes funções.
Dos procedimentos regulamentares para uma ADD coerente e eficaz
Presumindo que o legislador esgotou todo o manancial de opções e recursos para que a ADD se revista da coerência e da eficácia exigíveis, cumpre notar que os procedimentos se encontram vertidos na secção III – Procedimento de Avaliação do Desempenho, mais precisamente do artigo 15.º ao artigo 22.º, do Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, uma regulamentção que, aliás, afiança eleger “a necessidade de garantir um modelo de avaliação que vise simplificar o processo e promova um regime exigente, rigoroso, onde se valorize a actividade lectiva e se criem condições para que as escolas e os docentes recentrem o essencial da sua actividade: o ensino e a aprendizagem. Tem-se em vista uma avaliação do desempenho com procedimentos simples, com um mínimo de componentes e de indicadores e com processos de trabalho centrados na sua utilidade e no desenvolvimento profissional.”
Complementarmente, o Decreto Regulamentar nº. 26/2012, concatenado com o Despacho n.º 13981/2012, de 26 de outubro, estabelecem os Parâmetros nacionais e respetiva ponderação na classificação final.
Sinalizo, de forma sumária, as atribuições e as competências estabelecidas para o Presidente do Conselho Geral (artigo 9º), o Diretor (artigo 10º), o Conselho Pedagógico (artigo 11º), a Secção de avaliação do desempenho docente do conselho pedagógico (artigo 12º), o avaliador externo (artigo 13º), o avaliador interno (artigo 14º), bem como as Garantias, insertas na Secção V (do artigo 24ª ao artigo 26º), que decorrem das disposições aplicáveis pelo Código do Procedimento Administrativo, genericamente considerados como os princípios reitores de toda a atuação administrativa, mormente dos particulares na sua relação com a Administração Pública.
Em boa verdade, estamos perante Garantias subordinadas aos princípios gerais da legalidade, da imparcialidade e da transparência, inscritos também no artigo 266º da CRP.
O perfil legal do avaliador interno.
Atento o artigo 14º do Decreto-Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, considera-se:
“1 - O avaliador interno é o coordenador de departamento curricular ou quem este designar, considerando-se, para este efeito, preferencialmente os requisitos constantes do artigo anterior para a selecção do avaliador externo.
2 - Na impossibilidade de aplicação dos critérios previstos no número anterior não há lugar à designação, mantendo-se o coordenador de departamento curricular como avaliador.”
À semelhança do avaliador externo, o avaliador interno deverá reunir os seguintes requisitos cumulativos:
Estar integrado em escalão igual ou superior ao do avaliado;
Pertencer ao mesmo grupo de recrutamento do avaliado;
Ser titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica ou deter experiência profissional em supervisão pedagógica.
Segundo o artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 26/2012, o Diretor e de acordo com o ponto 1, do artigo 14.º do mesmo decreto, o avaliador interno é o coordenador de departamento curricular, ou quem este designar, considerando para esse efeito, preferencialmenteos requisitos constantes do ponto 1, do artigo 13.º, referente ao avaliador externo, ou seja, são os mesmos:
“a) Estar integrado em escalão igual ou superior ao do avaliado;
b) Pertencer ao mesmo grupo de recrutamento do avaliado;
c) Ser titular de formação em avaliação de desempenho ou supervisão pedagógica ou deter experiência profissional em supervisão pedagógica.” (p. 857).
Ainda de acordo com o ponto 2, do artigo 14.º do DR supracitado, quando não é possível aplicar os critérios previstos no ponto 1, mantem-se o coordenador de departamento curricular como avaliador.
Infelizmente, os docentes que poderiam assegurar uma verdadeira supervisão pedagógica não se reconhecem em como tal, nem são reconhecidos pelos seus pares, faltando-lhes, cumulativamente, a necessária formação e uma alocação de tempo no seu horário de trabalho, evidências, aliás, da clamorosa falta de valorização e de credibilização dos cargos (Ricardo, 2016, p. 252-253).
A minha experiência coincide, na íntegra, com Ricardo (2017, p. 189) quando evidencia que:
“O processo da ADD é visto pelos agentes, suportado sobretudo nas razões de instabilidade já apontadas, como um procedimento sem credibilidade. No estudo qualitativo pareceu-nos, assim, observar que a grande maioria dos professores não acredita neste processo de ADD, sentimento este corroborado pelos diretores das escolas entrevistados.”
VI - As práticas da supervisão pedagógica para supervisionados posicionados em diferentes estádios na carreira e as estratégias desenvolvimentistas.
Com base na minha observação e experiência no terreno, entendo que as práticas da supervisão pedagógica deverão ser diferenciadas. Deverão incidir diversamente, consoante a autonomia e a evolução de cada profissional.
Reitero a conclusão de Ricardo, L., Henriques, S., & Seabra, F. (2012, p. 105), quando, com singular precisão, frisam:
“Depreende-se que a supervisão pedagógica proporciona aos professores desenvolvimento, partilha de conhecimentos e dúvidas, democraticidade, reflexão, investigação, aprendizagem, formação, aceitação da mudança, em suma, melhorias na prática docente. Duma forma geral, entende-se a supervisão pedagógica como um processo de partilha entre o supervisor e o supervisionado no sentido de melhorarem os seus próprios desenvolvimentos (pessoal e profissional) e consequentemente a qualidade da escola. Assim, a supervisão obriga o supervisor e o supervisionado a uma relação de cumplicidade através de estratégias próximas do coaching procurando-se que o supervisionado consiga trilhar posteriormente o seu próprio caminho de desenvolvimento.”
As estratégias desenvolvimentistas, além de viabilizarem uma “abordagem dialógica” (Alarcão, 2008, p.31), tenderão a elevar as práticas de supervisão pedagógica a outros contextos, que não se confinam à sala de aula, mas que se integrarão no contexto mais amplo e enriquecedor da Escola.
Encerro com algo que acomodei como desígnio maior quando, na decorrência da minha pesquisa pessoal e prática profissional, decidi subscrever Ricardo (2016, p. 227) por defender que “o processo da ADD tem de ser transparente, bem explícito e não enfatizar o indivíduo em detrimento da equipa/grupo”, ainda que decorra sob condições contraditórias, que, só por si, deveriam instar o poder político a repensar o modelo que decidiu replicar para os professores portugueses. Impõe-se um sobressalto de consciência, que garanta o respeito pela dignidade e pela saúde de tantos profissionais altamente qualificados.
Bibliografia
Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro – estabelece um novo regime de avaliação do desempenho docente e revoga o Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho.
Ricardo, L. (2016). O Líder e a Liderança. Lisboa: Chiado Editora.
Ricardo, L. (2017) “Os líderes intermédios da escola no papel de avaliadores do desempenho docente”, In Grave, L.; Oliveira, I; Bastos, G. (Orgs.) Lideranças e Inovação em Contextos Educativos: Lisboa - eBook.
Ricardo, L., Henriques, S., & Seabra, F. (2012). Supervisão Pedagógica: teoria e prática. In R. Cadima, I. Pereira, H. Menino, I. S. Dias & H. Pinto (Orgs.). Investigação, Práticas e Contextos em Educação (pp.101-108). Leiria: ESECS – Instituto Politécnico de Leiria, ESECS, Conferência Internacional.
Vasconcelos, T. (2007). Supervisão como um “TEAR”: Estratégias emergentes de “andaimação” definidas por supervisoras e supervisionadas. Revista de Educação, v.15, n.º 2, 2007, 5-26.
Vieira, F., & Moreira, M. (2011). Supervisão e Avaliação de Desempenho Docente – Para uma abordagem de orientação transformadora. Lisboa: Ministério da Educação – Conselho Científico para Avaliação de Professores.
III - Sobre o perfil, o currículo que um supervisor pedagógico deverá possuir.
Infelizmente, os docentes que poderiam assegurar uma verdadeira supervisão pedagógica não se reconhecem em como tal, nem são reconhecidos pelos seus pares, faltando-lhes, cumulativamente, a necessária formação e uma alocação de tempo no seu horário de trabalho, evidências, aliás, da clamorosa falta de valorização e de credibilização dos cargos (Ricardo, 2016, p. 252-253).
Quanto ao perfil, revejo-me integralmente no que Ricardo (2016, p. 255) concebe:
“Idealmente parece-nos que o supervisor pedagógico deve ter um perfil académico e profissional que não suscite inseguranças ao supervisionado e que adote uma postura predominantemente colaborativa com visão estratégica, ou seja, com uma perspetiva de futuro baseada nos acontecimentos do passado, fazendo um acompanhamento assíduo (…) Um estilo conjuntural desenvolvimentalista…”
IV - Sobre os estilos gerais de liderança. As três posturas gerais que um supervisor pedagógico pode adotar.
De acordo com a definição de Lewin (1939, cit. Jesuíno, 1999; cit. Murillo, 200&) e com os resultados dos estudos (Alarcão & Tavares, 1987), a evolução poderá fazer-se nestes termos e por esta ordem:
o estilo diretivo, tradicional/autocrático/autoritário, vocacionado, porventura, para os candidatos a professores;
o estilo colaborativo, participativo/democrático/partilhado, aplicado, tendencialmente, aos professores já em carreira;
o estilo não diretivo, seguindo a mesma lógica, dimensionado para docentes no final da carreira.
V - Deverá o supervisor pedagógico ser considerado um líder, com mais poder?
Numa primeira e quase instintiva resposta, diria que sim. Não obstante, lembro o que Ricardo (2016, p. 11) ressalvou:
“A história dos estudos da liderança iniciou-se a prolongou-se suportada na duplicidade baseada na existência de liderados “cegos” a seguirem um “grande homem” passou a ser vista como ultrapassada no estudo nas organizações modernas”.
Daí que tenda a concordar, genericamente, com o mesmo autor quando assevera que todos os que estão numa posição cimeira de influenciar outros podem ser chamados de líderes, em resumo, “quem está na frente é líder” (p. 12).
Na verdade, e da experiência de vida acumulada em múltiplas organizações, concluo não existir um estilo universal e consensualmente replicável de liderança.
De resto, grande parte da literatura disponível incide, maioritariamente, sobre a liderança e não tanto sobre o líder, parecendo ser mais importante o modo como se lidera do que o líder per se. Até porque o poder, abstratamente considerado, será tanto maior quanto mais forte for a liderança.
Complementarmente, Ricardo (2016, p. 247) aprecia a objetividade de Émile Durkheim quando defende que a escola tem duas funções principais: a acreditação e a socialização pelo que, sem outros rodeios, afigura-se consistente o entendimento de que se pode chamar líder a quem se encontra em posição de poder influenciar alguém, adote a postura que adotar (p. 251).
I - Do surgimento da supervisão nas organizações em geral e da eventual influência no surgimento da supervisão pedagógica nas organizações escolares.
Segundo Ricardo, L., Henriques, S., & Seabra, F. (2012, p. 101), o termo supervisão surgiu na era da industrialização, numa perspetiva de melhoramento qualitativo da produção com uma conotação sobretudo fiscalizadora (Lima, 2001). Numa perspetiva organizacional (idem, p. 102), a supervisão pode igualmente ser considerada como uma habilidade/competência de análise do passado, análise do presente e previsão de futuro.
Numa abordagem contígua, os mesmos autores consentem que o mesmo termo possa ser encarado como algo equivalente a uma visão muito melhor que a normal (super visão), em que o supervisor vê mais além do que o supervisionado, mas sempre direcionada para o desenvolvimento profissional.
Atenta a bibliografia disponível, Vieira (1993) e Vasconcelos (2007), o conceito de supervisão pedagógica foi introduzido em Portugal por Alarcão e Tavares (1987), vocacionada, essencialmente, para o desenvolvimento humano e profissional. Creio, no entanto, que a supervisão pedagógica terá bebido in illo tempore alguns dos fundamentos da supervisão que não a pedagógica. Aliás, Vieira e Moreira (2011, p. 8) apontam a uma relação causal que exige controle e monitorização:
“As reformas educacionais e os problemas da educação estão frequentemente predicatos no pressuposto de que os professores são a razão e os problemas das escolas medíocres, logo necessitam de ser cuidadosamente controlados e monitorizados”.
II - Sobre as principais diferenças entre “supervisão” e “supervisão pedagógica”.
Socorrendo-me de Ricardo, L., Henriques, S., & Seabra, F. (2012, p. 102), que lembram a abordagem administrativa, citam Caupers (1996, p. 95) que, com lapidar nitidez, clarifica:
“A supervisão consubstancia-se numa quase-hierarquia: é uma forma de relacionamento interorgânico em que o órgão supervisionante não pode dar ordens ao órgão supervisionado mas pode agir sobre os actos deste, designadamente revogando-os”.
Não deixa de ser curioso que também a supervisão pedagógica, como circunscreveu Alarcão (2008), no contexto daquela abordagem clínica, direcionada para a sala de aulas, balizou igualmente, nos anos setenta do século passado, a necessidade de um controlo, de uma fiscalização e de uma avaliação. Adiante.
Para mim, a supervisão traz e comporta diferenças significativas, que importa valorar. Convém lembrar Vieira (1993) quando salvaguarda que, entretanto, surgiu Cortesão (1991), estribada em Smith (1988), enfatizando a necessidade da partilha de experiências e reflexões entre os professores, contribuindo, de algum modo, para ajustar o entendimento da supervisão pedagógica aplicada às escolas portuguesas. Ademais, Vasconcelos (2007) faz justiça quando lembra que o trabalho pioneiro sobre supervisão clínica introduzido por Alarcão e Tavares, em 1987, mas regista são os mesmos autores que:
“… re-elaboraram recentemente o seu trabalho (2003, 2ª edição), incorporando os conceitos de instituição aprendente no contexto de uma escola reflexiva e alargando os processos de supervisão a toda a dinâmica de escola e não apenas à relação supervisor/supervisando.”
Na sequência da metáfora do TEAR, tendo igualmente a aderir ao conjunto de grandes princípios emergentes de supervisão pedagógica propostos por Vasconcelos (2007, p. 10), como proporcionadamente eficazes porque funcionais:
“- pôr as pessoas no centro
- meta-gerir a burocracia
- gerir com as pessoas
- uma orientação para a qualidade pedagógica
- sentido de projecto”
Daí que concorde com o entendimento de Ricardo, L., Henriques, S., & Seabra, F. (2012, p. 102-103), que desaguará num processo vincadamente construtivista do scaffolding, uma lógica gradualista de colocação e de retirada de andaimes, quando destacam:
“Soares (2009) acrescenta ainda, baseada na evolução da legislação e do estudo de diversos autores, como função da supervisão, uma orientação no sentido de ajudar o professor supervisionado a desenvolver a sua carreira, estimulando o seu desempenho também através de uma forma reflexiva, exercendo, deste modo, uma influência indireta na aprendizagem dos alunos e consequentemente na qualidade da educação”
Por fim, subscrevo, sem rebuço, o imperativo sublimado por Ricardo (2016, p. 253) ao defender a separação clara do conceito de “supervisão” com o de “supervisão pedagógica:
“O primeiro está associado a um controlo ligado a uma avaliação sumativa, enquanto o segundo está associado a uma partilha de conhecimentos e dúvidas orientada por um colega mais experiente e onde a avaliação sumativa não tem lugar (somente a avaliação formativa) dada a cumplicidade que se pretende que exista entre o supervisor didático/tecnológico (também para cada área científica), e o seu supervisionado em todas as atividades organizacionais, sejam elas pedagógicas ou não.”
O Ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, com o seu pragmatismo, tem cavado um fosso com o estilo e as políticas do seu antecessor, que cumpre reconhecer. As circunstâncias políticas que vivemos também parecem estar a funcionar em favor da resolução de problemas antigos. Até ao momento, os professores sentem ter no atual MECI um interlocutor com disponibilidade e sensibilidade para, pelo menos, ouvir as suas reivindicações.
Recordo que, em 2019, Arlindo Ferreira apresentou, no seu blog, um Ensaio Para Uma Nova Carreira Docente. A imagem que serve de ilustração a este texto resume a comparação entre a estrutura atual e a estrutura proposta para a nova Carreira Docente pensada pelo seu autor.
Ao que consta e segundo o que é possível, à data de hoje, apurar, uma proposta em tudo similar à de Arlindo Ferreira poderá estar efetivamente a ser ponderada para levar à mesa das negociações. Em resumo, parece ambicionar-se:
a eliminação do 9.º escalão (Índice 340) e do 10.º escalão (Índice 370)
para, no essencial, obter uma poupança que permita:
valorizar os primeiros escalões de ingresso na carreira docente;
viabilizar orçamentalmente a criação da carrreira de dirigente/do Estatuto dos Diretores.
Esta proposta, mais do que implicar o empobrecimento de toda a classe, pressupõe o sacrifício de todos aqueles docentes que suportaram todas as desvalorizações, cortes, congelamentos e demais vilipêndios infligidos aos professores desde o início deste século. São os profissionais que, tendo aguentado tamanhos desmandos, poderiam, no âmbito da recuperação do tempo de serviço, vislumbrar, finalmente, o acesso (possível) ao topo da carreira.
É legítimo - e necessário! - pagar melhor a TODOS os professores. Aos que ingressam, mas também aos que cá estão, que tudo aguentaram sem abandonar a Escola Pública. De igual modo, na lógica da tutela, afigura-se legítima a opção de enveredar pela criação da carreira de dirigente/do Estatuto dos Diretores. Mas jamais estes propósitos políticos deverão ser alcançados à custa do sacrifício dos que tudo sofreram. Absolutamente inaceitável, até porque desvirtuaria os efeitos do processo em curso da recuperação do tempo de serviço, transformando-o num logro.
A revisão anunciada do ECD, pela sua abrangência e complexidade, não poderá ser um expediente contabilístico que resulte do exercício farisaico de tirar a uns para dar a outros. Aliás, vai sendo tempo de, no caso dos professores, a tutela, no respeito pelo princípio da boa-fé, não frustrar legítimas e fundadas expectativas por si criadas. Isto é, o princípio do primado do Estado de Direito democrático garante um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e em suas expectativas legitimamente criadas, indispensável à confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
Paula entrou com aquele mesmo esgar impenetrável de funcionária administrativa talhada para a rotina de um escritório de seguros. A saudação matinal, naquele tom monocórdico e descomprometido, que nada revela ou oferece, colhe a resposta mil vezes repetida pelos cúmplices de cenário.
O rosto, sem as habituais nuances de uma maquilhagem personalizada, denuncia um cansaço estranho, que parece camuflar outras dores, enraizadas nas rugas mais profundas das suas entranhas.
Habituou clientes e colegas a uma organização obsessiva, que nada ignora ou menospreza. O brio e a prioridade que dispensa a cada cliente, como que conhecesse a individualidade de cada um ao ponto de a todos aconselhar com devota sinceridade, esmoreceram. Também o bonsai iniciou o seu definhamento.
Longe vão os tempos que a celebrizaram como inesperada, mas forte defensora das vantagens do bonsai enquanto prática de relaxamento e de fuga ao stress naquele escritório credor de mais janelas. “Por cada bonsai, uma janela”, apregoava com vincada e metafórica militância. Todos recordam aquele pendor missionário com que se entregou à causa de “um bonsai para todos”. Gravada na memória coletiva está ainda a analogia por ela achada com o desempenho profissional: “Um e outro, para serem perfeitos e apreciados, necessitam de uma grande dedicação, paciência e de alguns cuidados fundamentais.” Mais do que as questões da localização ou da luminosidade, a maioria das colegas parodiavam o rigor e a delicadeza de movimentos com que procedia à poda daquela pequena árvore. “Só tem filosofia!...”, largavam com indisfarçável fel.
Hoje, o bonsai apresenta ramos frágeis, descaídos e as folhas descoloradas, pejadas de lixos e poeiras. Está doente. Como Paula, a invejada funcionária que a todos superou. Há poucas semanas, recebeu o veredicto, qual sentença de morte, de um tumor cerebral inoperável. Menos de três meses de vida para rever e projetar a vida que um dia sempre quis.
Solteira, à beira dos quarenta, nada tem por legar. As parceiras, com despudorada insensibilidade, já lhe disputam a carteira de clientes e até – imagine-se - a secretária.
O amanhecer deixou de implicar a habitual patela de cores. Adormecer é um tomento, entregue aos ditames de fantasmas e outras assombrações. Tem saudades de si, do que já foi. Houve um tempo em que gizou planos venturosos. Houve um tempo em que sonhou alto. Houve um tempo em que almejou ser mãe e constituir família. Houve um tempo… Houve um tempo…
Numa destas madrugadas iluminadas por mil insónias, deteve-se num documentário sobre os benefícios da banana. Ouviu que fornecia energia para o trabalho, que combatia as depressões as dores de cabeça, o cansaço matinal e, acima de tudo, ajudava o cérebro, favorecendo a concentração. Tudo o que mais precisa(va) para suportar o fardo de uma vida com termo (já) marcado.
Contrariando tendências e hábitos, levantou-se madrugada dentro para confecionar uma salada de banana. Descascou e cortou as bananas e um par de cebolas em fatias. Aqueceu o óleo numa frigideira e salteou as cebolas em lume brando durante uns quinze minutos. Adicionou duas colheres de chá de caril em pó e fritou até começar a soltar aquele aroma que tanto aprecia. Juntou as bananas e o vinagre. Tirou do lume. Finalmente, adicionou as sultanas e colocou numa travessa. Até arrefecer. Guarneceu com coentros picados. Estava feita a mais recente mezinha para, à sua maneira, combater o mal que literalmente se refugiara na cabeça. Por momentos, deixou de ter saudades de si.