A vida moderna: exercícios para o pug, leitura para a dona...
A metáfora da vida moderna: velocidade e contemplação.
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A metáfora da vida moderna: velocidade e contemplação.
Foto Izis (Israëlis Bidermanas) | Châlon, 1950.
«Sejam quais forem os resultados, com êxito ou não, o importante é que no final cada um possa dizer: 'fiz o que pude'.»
Foto de Izis Bidermanas | L’uomo con le bolle, Petticoat Lane, Middlesex Street, Whitechapel, 1952.
«Uma pessoa pode ter uma infância triste e mesmo assim chegar a ser muito feliz na maturidade. Da mesma forma, pode nascer num berço de ouro e sentir-se enjaulada pelo resto da vida.»
Foto de Jorge Henriques - Portugal (Undated)
«Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser.»
AS NUVENS
"Por momentos dançam nas colinas
ou nos olhos das rolas:
vão para o sul, procuram
a luz molhada das ilhas,
os minúsculos pés da chuva,
a crepitação do mar,
o cheiro juvenil da lenha
verde ainda e com resina,
a alma das pequenas praças,
os pardais, o sussurro das matinas."
Eugénio de Andrade
in "Rente ao dizer"
POEMA DO ETERNO RETORNO
"Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo.
As tuas mãos de outrora nas tuas mãos de agora
há o primeiro amor que é sempre o último
antes do tempo ou só depois da hora.
E vinhas de tão longe. E era tão fundo.
E era por mim. E era por ti. E era por dois.
E havia na tua voz o principio do mundo.
E era antes da Terra. E era depois."
Manuel Alegre
in "Todos os poemas são de amor"
© Yvonne C. Krystovsky
"A gente não se dá conta de que a vida é um dom, que a saúde é uma bênção. As pessoas estão muito distraídas disso. Acordar de manhã e lavar o rosto é divino..."
Caio Fernando Abreu
Arte: The Traveller
By Bruno Catalano
"Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
Nem o Sol escureceu,
Nem houve
Estrelas a mais...
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
Não houve nada de novo
Senão eu.
As núvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme,
Bastava
Toda a ternura que olhava
Nos olhos de minha Mãe..."
Sebastião da Gama
Imagem retirada daqui
No passado domingo, a derrota histórica do PS e a ascensão de novas forças mostram um profundo desfasamento entre os partidos estabelecidos e os eleitores, especialmente a classe média. A coligação PSD/CDS (Aliança Democrática) venceu com cerca de 32% dos votos, enquanto o partido Chega cresceu e, para já, igualou o PS com 58 deputados cada. Esta convulsão eleitoral reflete uma insatisfação generalizada. Há muitos políticos que, neste primeiro quartel de século, usaram, demasiadas vezes, a classe média para ganhar eleições, mas que depois governaram a pensar em minorias, como direi, “disruptivas”. Em suma, os cidadãos sentem que os partidos incumbentes perderam contacto com as suas reais preocupações.
Afastamento das causas laborais e do setor público
Desde o início do século XXI, os grandes partidos afastaram-se gradualmente das reivindicações laborais e dos direitos dos trabalhadores, designadamente profissionais do setor público. Por exemplo, professores, médicos, enfermeiros e polícias viveram prolongados congelamentos de carreiras e de cortes salariais. Em 2010–2016, cerca de metade dos 404 mil funcionários públicos teve progressões salariais congeladas. Este congelamento atingiu mesmo as forças de segurança. Inicialmente excecionadas em 2010, o ministro Vítor Gaspar decidiu, no ano seguinte, estender o congelamento às promoções de militares e polícias. Assim, importa notar que quase todos os funcionários públicos viram a progressão na carreira parada na década passada:
Esta retórica de “esforço coletivo” deixou muitos profissionais desamparados. Sindicatos apontaram que os partidos negligenciaram as causas laborais em favor de agendas fiscais ou liberais. A ausência de respostas efetivas para recuperar carreiras congeladas ilustra o desinteresse político pelas condições de trabalho no ensino, saúde e segurança.
Austeridade e empobrecimento da classe média
Os cortes salariais e o congelamento de carreiras não afetaram apenas funcionários públicos: contribuíram para empobrecer a classe média portuguesa. Dados recentes mostram que quase metade das famílias portuguesas já tem dificuldade em cobrir despesas básicas como habitação e alimentação expresso.pt. Um estudo, de 2023, da DECO/Proteste, concluiu que 44% dos agregados familiares admitem ter problemas para pagar renda ou supermercado, e 74% vivem mensalmente com dificuldade financeira. Em comunicado, a diretora da DECO chegou mesmo a destacar que “a crise financeira… vem asfixiando a classe média na última década”. expresso.pt.
Em suma, o peso das medidas de austeridade – desde aumentos de impostos até congelamentos salariais – recaiu fortemente sobre o poder de compra da classe média. Aqueles que antes não precisavam de apoio social tornaram-se vulneráveis. Esta degradação financeira explica em parte a descrença no centro político e o protesto eleitoral.
Em suma, talvez o país não precise de mais políticos profissionais, mas de profissionais que, por um tempo, sob o formato de uma honrosa comissão de serviço, se disponham a ser políticos. Gente que saiba o preço de um litro de leite, de uma renda de casa ou de uma ida ao dentista — sem subsídios nem motorista à porta. Porque uma coisa é certa: enquanto continuarmos a ser governados por quem nunca soube o que é viver do seu próprio salário, teremos muitos profissionais da política... mas poucos políticos com profissão. E Portugal, esse, vai ficando sem rumo. E sem troco.
Políticos sem experiência e sem empatia
Outro fator que agrava a desconexão é o perfil dos políticos que temos: muitos têm carreira exclusivamente partidária e pouca vivência profissional fora da política. Um jornalista salientou que um “político com experiência profissional fora da coisa pública… não viveu em Júpiter” – logo, sabe o que é trabalhar no mundo real dn.pt. Em contraste, os chamados políticos profissionais desenvolvem carreira apenas em gabinetes ou órgãos partidários, longe das aspirações quotidianas dos cidadãos. Essa falta de experiência. pública e profissional. diminui - e de que maneira! - a empatia política necessária para mobilizar os diferentes eleitorados. Atentemos nestes pontos de análise:
Em resumo, a prevalência de políticos com carreira única no setor público ou partidário tem contribuído para a alienação vigente. Eleitores de classe média/baixa percebem que, quem legisla, pouco entende dos seus desafios laborais e económicos. Essa lacuna explica parte da guinada eleitoral da passada semana em direção aos partidos que afirmam representar “a vida real” por contraposição às “elites políticas”.
O papel dos media e dos comentadores
A indústria mediática também agrava esta desconexão: muitos jornalistas e analistas políticos que conhecemos vivem em círculos fechados, distantes das preocupações populares. Daí ser comum acusar os meios tradicionais de formarem uma bolha de privilégios, em que se debate, sobretudo, a política dentro do próprio sistema, ignorando temas urgentes para o cidadão comum (saúde, educação, habitação, segurança…). Neste âmbito, como evidências a merecer reflexão, destaco:
Parece-me, pois, incontroverso, que a comunicação social tem contribuído para ampliar a esta fenda que afasta os eleitos dos eleitores. Ao não representar as prioridades sentidas pela população, reforça uma narrativa de que os verdadeiros problemas nacionais são ignorados pelos formadores de opinião. Essa crítica – mesmo que contestável – está em parte de acordo com as perceções de quem votou à direita ou em novos partidos nestas últimas legislativas.
Políticos com experiência: uma necessidade urgente
Para reverter a alienação generalizada, muitos especialistas sugerem que os partidos se abram ao mundo real, integrando cidadãos com carreiras consolidadas fora da Política. Em artigo de opinião, foi colocado o seguinte dilema: devemos escolher políticos “profissionais”, cuja carreira se cimentou só na esfera pública, ou valorizar candidatos com comprovada vivência no mercado? dn.pt.
Deixo ao prezado leitor a reflexão sobre o delicado leque de respostas que tão crucial dilema poderá merecer. Em todo o caso, e como quem junta mais uma acha à fogueira, previno que urge recuperar a legitimidade: sinto que a Política será mais credível se virmos representantes que já trabalharam como professores, enfermeiros ou comerciantes nos principais centros de decisão. Essa mistura de “experiência do mundo” com compromisso público permitirá legislar com mais realismo e eficácia.
De resto, a própria Constituição prevê que os órgãos políticos devem ser acessíveis a qualquer cidadão dignificado. Em tempos de crise de representatividade, aceitar trabalhadores e empresários na Política é também uma forma de renovar a democracia. Como concluiu um analista português, optar por líderes que tenham “vivência comprovada no mercado” ajudará a construir soluções inovadoras e mais alinhadas com as necessidades reais dos portugueses. dn.pt.
Em suma, talvez o país não precise de mais políticos profissionais, mas de profissionais que, por um tempo, sob o formato de uma honrosa comissão de serviço, se disponham a ser políticos. Gente que saiba o preço de um litro de leite, de uma renda de casa ou de uma ida ao dentista — sem subsídios nem motorista à porta. Porque uma coisa é certa: enquanto continuarmos a ser governados por quem nunca soube o que é viver do seu próprio salário, teremos muitos profissionais da política... mas poucos políticos com profissão. E Portugal, esse, vai ficando sem rumo. E sem troco.
Fontes: Analisei dados oficiais das eleições de 2025 e do sector público rtp.ptpoligrafo.sapo.pt; depoimentos de líderes partidários e sindicalistas rtp.pt; estudos económicos sobre rendimentos e pesquisas de opinião expresso.ptexpresso.pt; reflexões jornalísticas sobre o perfil dos políticos dn.ptnoticiaslx.pt, bem como os lados compilados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Estes apontam todos para uma mesma conclusão crítica: sem profissionais com vida real a legislar, e sem uma comunicação que represente a maioria, a distância entre políticos/as e população só tenderá a aumentar.