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O Banquete

A República de Platão é o livro mais conhecido do filósofo grego. Contudo, em "O Banquete", também conhecido como Simpósio, Platão vai discutir as naturezas do amor e da alma.

Dos paradoxos

29.05.25 | Servido por José Manuel Alho

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Foto de Izis Bidermanas | L’uomo con le bolle, Pet­ti­coat Lane, Midd­le­sex Street, Whi­te­cha­pel, 1952.

«Uma pessoa pode ter uma infância triste e mesmo assim chegar a ser muito feliz na maturidade. Da mesma forma, pode nascer num berço de ouro e sentir-se enjaulada pelo resto da vida.»

Charles Chaplin


Por momentos

27.05.25 | Servido por José Manuel Alho

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AS NUVENS

"Por momentos dançam nas colinas
ou nos olhos das rolas:
vão para o sul, procuram
a luz molhada das ilhas,
os minúsculos pés da chuva,
a crepitação do mar,
o cheiro juvenil da lenha
verde ainda e com resina,
a alma das pequenas praças,
os pardais, o sussurro das matinas."

Eugénio de Andrade
in "Rente ao dizer"

O teu rosto único e múltiplo

26.05.25 | Servido por José Manuel Alho

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POEMA DO ETERNO RETORNO


"Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo.
As tuas mãos de outrora nas tuas mãos de agora
há o primeiro amor que é sempre o último
antes do tempo ou só depois da hora.

E vinhas de tão longe. E era tão fundo.
E era por mim. E era por ti. E era por dois.
E havia na tua voz o principio do mundo.
E era antes da Terra. E era depois."

Manuel Alegre
in "Todos os poemas são de amor"

Quando eu nasci

24.05.25 | Servido por José Manuel Alho

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Arte: The Traveller
By Bruno Catalano 

 

"Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
Nem o Sol escureceu,
Nem houve
Estrelas a mais...
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
Não houve nada de novo
Senão eu.
As núvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme,
Bastava
Toda a ternura que olhava
Nos olhos de minha Mãe..."

Sebastião da Gama

Os políticos profissionais vs políticos com profissão

23.05.25 | Servido por José Manuel Alho

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Imagem retirada daqui

 

No passado domingo, a derrota histórica do PS e a ascensão de novas forças mostram um profundo desfasamento entre os partidos estabelecidos e os eleitores, especialmente a classe média. A coligação PSD/CDS (Aliança Democrática) venceu com cerca de 32% dos votos, enquanto o partido Chega cresceu e, para já, igualou o PS com 58 deputados cada. Esta convulsão eleitoral reflete uma insatisfação generalizada. Há muitos políticos que, neste primeiro quartel de século, usaram, demasiadas vezes, a classe média para ganhar eleições, mas que depois governaram a pensar em minorias, como direi, “disruptivas”. Em suma, os cidadãos sentem que os partidos incumbentes perderam contacto com as suas reais preocupações.

 

Afastamento das causas laborais e do setor público

Desde o início do século XXI, os grandes partidos afastaram-se gradualmente das reivindicações laborais e dos direitos dos trabalhadores, designadamente profissionais do setor público. Por exemplo, professores, médicos, enfermeiros e polícias viveram prolongados congelamentos de carreiras e de cortes salariais. Em 2010–2016, cerca de metade dos 404 mil funcionários públicos teve progressões salariais congeladas. Este congelamento atingiu mesmo as forças de segurança. Inicialmente excecionadas em 2010, o ministro Vítor Gaspar decidiu, no ano seguinte, estender o congelamento às promoções de militares e polícias. Assim, importa notar que quase todos os funcionários públicos viram a progressão na carreira parada na década passada:

  • Professores: Sofreram até nove anos de carreiras congeladas e exigiram, como sucedeu com outras carreiras, a reposição de todo o tempo de serviço já prestado. A pressão dos sindicatos levou, em 2018, a negociações tardias sobre o descongelamento, culminando com um acordo (muito) faseado para a sua devolução, alcançado somente no ano passado.
  • Enfermeiros: A progressão salarial esteve suspensa desde 2004, sendo finalmente retomada apenas em 2022 numa medida orçada em 72 milhões de euros.
  • Forças de Segurança e Militares: Inicialmente excluídas do corte de 2010, acabaram por ter as progressões bloqueadas a partir de 2011.
  • Outros trabalhadores públicos: Em suma, “todas as carreiras estiveram congeladas, ou quase todas” poligrafo.sapo.pt, evidenciando como a austeridade afetou em massa os direitos laborais dos trabalhadores do Estado.

Esta retórica de “esforço coletivo” deixou muitos profissionais desamparados. Sindicatos apontaram que os partidos negligenciaram as causas laborais em favor de agendas fiscais ou liberais. A ausência de respostas efetivas para recuperar carreiras congeladas ilustra o desinteresse político pelas condições de trabalho no ensino, saúde e segurança.

 

Austeridade e empobrecimento da classe média

Os cortes salariais e o congelamento de carreiras não afetaram apenas funcionários públicos: contribuíram para empobrecer a classe média portuguesa. Dados recentes mostram que quase metade das famílias portuguesas já tem dificuldade em cobrir despesas básicas como habitação e alimentação expresso.pt. Um estudo, de 2023, da DECO/Proteste, concluiu que 44% dos agregados familiares admitem ter problemas para pagar renda ou supermercado, e 74% vivem mensalmente com dificuldade financeira. Em comunicado, a diretora da DECO chegou mesmo a destacar que “a crise financeira… vem asfixiando a classe média na última década”. expresso.pt.

  • Aumento do custo de vida: As famílias veem o salário render cada vez menos. Entre 2021 e 2023, preços de habitação, alimentos e energia dispararam, enquanto os rendimentos médios mal repõem perdas inflacionarias.
  • Rendimentos estagnados: Quase 75% das famílias afirmam que «é impossível poupar» no final do mês expresso.pt. Muitos percebem que, apesar de trabalhar ou até ter dois salários, basta uma despesa extra (consultas médicas, escola) para entrar no vermelho.
  • Endividamento e insegurança: A classe média endividou-se para manter padrão de vida, acumulando crédito para despesas quotidianas. Em 2022, aumentaram significativamente os pedidos de insolvência pessoal e os pedidos de apoio social entre quem antes não pedia ajuda.
  • Desigualdade crescente: Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos indica que as desigualdades salariais vieram do mercado de trabalho, e que a classe média não conseguiu compensar a crise só com políticas sociais. A classe média, pressionada pelas políticas de austeridade, acabou por sentir brutalmente a redução do seu rendimento real.

Em suma, o peso das medidas de austeridade – desde aumentos de impostos até congelamentos salariais – recaiu fortemente sobre o poder de compra da classe média. Aqueles que antes não precisavam de apoio social tornaram-se vulneráveis. Esta degradação financeira explica em parte a descrença no centro político e o protesto eleitoral.

Em suma, talvez o país não precise de mais políticos profissionais, mas de profissionais que, por um tempo, sob o formato de uma honrosa comissão de serviço, se disponham a ser políticos. Gente que saiba o preço de um litro de leite, de uma renda de casa ou de uma ida ao dentista — sem subsídios nem motorista à porta. Porque uma coisa é certa: enquanto continuarmos a ser governados por quem nunca soube o que é viver do seu próprio salário, teremos muitos profissionais da política... mas poucos políticos com profissão. E Portugal, esse, vai ficando sem rumo. E sem troco.

Políticos sem experiência e sem empatia

Outro fator que agrava a desconexão é o perfil dos políticos que temos: muitos têm carreira exclusivamente partidária e pouca vivência profissional fora da política. Um jornalista salientou que um “político com experiência profissional fora da coisa pública… não viveu em Júpiter” – logo, sabe o que é trabalhar no mundo real dn.pt. Em contraste, os chamados políticos profissionais desenvolvem carreira apenas em gabinetes ou órgãos partidários, longe das aspirações quotidianas dos cidadãos. Essa falta de experiência. pública e profissional. diminui - e de que maneira! - a empatia política necessária para mobilizar os diferentes eleitorados. Atentemos nestes pontos de análise:

  • Juventude partidária: É comum vermos os partidos formarem listas com jovens quadros licenciados, mas sem prática profissional consolidada. A verdade é que esses candidatos se entendem, muitas vezes, melhor com os problemas teóricos da governação do que com as dificuldades concretas dos professores, médicos ou dos pequenos empresários.
  • Debate restrito: A distância cultural cria uma “bolha” de discurso. Parlamentares que nunca trabalharam fora de Lisboa ou de São Bento tendem a privilegiar debates ideológicos ou burocráticos, sem atender, por exemplo, aos problemas da mobilidade, dos custos escolares ou da precariedade laboral.
  • Ausência de “vida real” na tomada de decisão: Quando decisões orçamentais são tomadas apenas por políticos e técnicos ou especialistas, faltam exemplos práticos que as enriqueçam. Uma política de habitação, por exemplo, pode parecer viável no papel, mas jamais poderá ignorar o drama de um professor deslocado que não consegue suportar o pagamento de uma renda alta. Por isso, multiplicam-se aquel@s que pedem uma Política mais pragmática, vivida por quem triunfou na iniciativa privada ou singrou na profissão.
  • Vozes críticas: No debate público, surge com frequência a proposta de que se dê espaço a líderes vindos de outras áreas. Um editorial da imprensa argumentou ser prudente “reconhecer o valor de perfis com vivência comprovada no mercado” em vez de políticos de carreira dn.pt. Esse perfil híbrido (gestor, empresário, profissional de saúde ou da educação…) traz competência(s) e sensibilidade que hoje faltam nos quadros políticos predominantes.

Em resumo, a prevalência de políticos com carreira única no setor público ou partidário tem contribuído para a alienação vigente. Eleitores de classe média/baixa percebem que, quem legisla, pouco entende dos seus desafios laborais e económicos. Essa lacuna explica parte da guinada eleitoral da passada semana em direção aos partidos que afirmam representar “a vida real” por contraposição às “elites políticas”.

 

O papel dos media e dos comentadores

A indústria mediática também agrava esta desconexão: muitos jornalistas e analistas políticos que conhecemos vivem em círculos fechados, distantes das preocupações populares. Daí ser comum acusar os meios tradicionais de formarem uma bolha de privilégios, em que se debate, sobretudo, a política dentro do próprio sistema, ignorando temas urgentes para o cidadão comum (saúde, educação, habitação, segurança…). Neste âmbito, como evidências a merecer reflexão, destaco:

  • As narrativas enviesadas: Os comentadores frios tendem a debater percentagens de intenção de voto ou escândalos internos, em vez de discutir falta de médicos ou atraso de carreiras de professores. Isso reforça a sensação de que a imprensa se preocupa mais com jogos políticos que com vidas reais.
  • A priorização de temas “nobres”: O debate dominante foca-se, muitas vezes, em costumes excêntricos, na corrupção da alta esfera ou em questões internacionais, negligenciando o custo de vida, a precariedade no trabalho ou as dificuldades da classe média. A agenda mediática parece refletir interesses de bairros ricos e de públicos já politizados.
  • A falha no contraditório: Dá-se pouco espaço à voz dos trabalhadores e dos menos favorecidos. Os mesmos analistas repetem fórmulas conhecidas que disputam entre si, reforçando a “bolha informativa” que os próprios criaram e alimentam. Críticas de movimentos sociais têm tempo reduzido, aumentando a sensação de que os media mainstream não refletem o que importa à maioria dos mortais.
  • O populismo e “anti elite”: Em consequência, os partidos populistas exploram a desconfiança, acusando os media (supostamente de referência) de manipular a opinião pública. Como observa a literatura consensualizada sobre populismo, os líderes populistas personificam “o povo” em oposição às “elites” – incluindo a imprensa e os políticos profissionais. Por isso, assomou-se um discurso que trata os média tradicionais como parte do problema, reforçando ainda mais a descrença nos meios convencionais.

Parece-me, pois, incontroverso, que a comunicação social tem contribuído para ampliar a esta fenda que afasta os eleitos dos eleitores. Ao não representar as prioridades sentidas pela população, reforça uma narrativa de que os verdadeiros problemas nacionais são ignorados pelos formadores de opinião. Essa crítica – mesmo que contestável – está em parte de acordo com as perceções de quem votou à direita ou em novos partidos nestas últimas legislativas.

 

Políticos com experiência: uma necessidade urgente

Para reverter a alienação generalizada, muitos especialistas sugerem que os partidos se abram ao mundo real, integrando cidadãos com carreiras consolidadas fora da Política. Em artigo de opinião, foi colocado o seguinte dilema: devemos escolher políticos “profissionais”, cuja carreira se cimentou só na esfera pública, ou valorizar candidatos com comprovada vivência no mercado? dn.pt.

Deixo ao prezado leitor a reflexão sobre o delicado leque de respostas que tão crucial dilema poderá merecer.  Em todo o caso, e como quem junta mais uma acha à fogueira, previno que urge recuperar a legitimidade: sinto que a Política será mais credível se virmos representantes que já trabalharam como professores, enfermeiros ou comerciantes nos principais centros de decisão. Essa mistura de “experiência do mundo” com compromisso público permitirá legislar com mais realismo e eficácia.

De resto, a própria Constituição prevê que os órgãos políticos devem ser acessíveis a qualquer cidadão dignificado. Em tempos de crise de representatividade, aceitar trabalhadores e empresários na Política é também uma forma de renovar a democracia. Como concluiu um analista português, optar por líderes que tenham “vivência comprovada no mercado” ajudará a construir soluções inovadoras e mais alinhadas com as necessidades reais dos portugueses. dn.pt.

Em suma, talvez o país não precise de mais políticos profissionais, mas de profissionais que, por um tempo, sob o formato de uma honrosa comissão de serviço, se disponham a ser políticos. Gente que saiba o preço de um litro de leite, de uma renda de casa ou de uma ida ao dentista — sem subsídios nem motorista à porta. Porque uma coisa é certa: enquanto continuarmos a ser governados por quem nunca soube o que é viver do seu próprio salário, teremos muitos profissionais da política... mas poucos políticos com profissão. E Portugal, esse, vai ficando sem rumo. E sem troco.

 

 

Fontes: Analisei dados oficiais das eleições de 2025 e do sector público rtp.ptpoligrafo.sapo.pt; depoimentos de líderes partidários e sindicalistas rtp.pt; estudos económicos sobre rendimentos e pesquisas de opinião expresso.ptexpresso.pt;  reflexões jornalísticas sobre o perfil dos políticos dn.ptnoticiaslx.pt, bem como os lados compilados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Estes apontam todos para uma mesma conclusão crítica: sem profissionais com vida real a legislar, e sem uma comunicação que represente a maioria, a distância entre políticos/as e população só tenderá a aumentar.

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