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O Banquete

A República de Platão é o livro mais conhecido do filósofo grego. Contudo, em "O Banquete", também conhecido como Simpósio, Platão vai discutir as naturezas do amor e da alma.

Educação: entre hipnoses digitais e autarquias – forças e falhas do Programa do XXV Governo

Análise Crítica às Medidas para a Educação no Programa do XXV Governo Constitucional

15.06.25 | Servido por José Manuel Alho

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Imagem retirada daqui

Pontos fortes do programa

O Programa do novo governo inclui medidas tão louváveis quanto consensuais que merecem, em todo o caso, destaque. Por exemplo, prevê o alargamento do pré-escolar gratuito a partir dos 3 anos (contratualizando as cerca de 12 mil vagas em falta), passo essencial para a equidade no acesso à educação. Impõe ainda a proibição do uso de telemóveis nos 1.º e 2.º ciclos até aos 12 anos, ideia que agrada a muitos pais cansados de ver crianças hipnotizadas por ecrãs. Propõe um currículo supostamente mais exigente e centrado no conhecimento científico e cultural, bem como a introdução da programação desde o Básico. Destaca-se também a ênfase numa “Estratégia para o Digital na Educação” e em sistemas de informação robustos, algo modernizador que pode tornar a gestão escolar mais eficiente. Em suma, o programa aparenta valorizar a inovação pedagógica, a aposta nos primeiros ciclos e tenta reforçar meios (p. ex. criando apoios ao estudo para alunos carenciados e identificando necessidades futuras de professores), o que, em tese, são pontos positivos.

Pontos fracos, lacunas e propostas para reforçar

Mas nem tudo brilha no papel. Várias lacunas saltam à vista, principalmente se olharmos pelo prisma holístico das crianças e pelo respeito devido aos professores. O programa gaba‑se de transferir competências para autarquias, passo que rejeito frontalmente – municipalizar escolas pode, com elevada probabilidade, criar (como já se viu) desigualdades locais e burocratizar em vez de humanizar. Por outro lado, negligencia as referências ao bem-estar dos miúdos: ninguém propõe reduzir as 25 horas semanais do 1.º Ciclo eurydice.eacea.ec.europa.eu para aliviar a carga diária das crianças, nem se questiona a sustentabilidade do horário dos professores desse ciclo de ensino. De facto, os próprios docentes em regime de monodocência há muito que denunciam o «excesso de carga horária» tanto para si como para os alunos arlindovsky.net, evidência que o programa ignora por completo. Também não se fala em reformular o regime de aposentação dos professores do 1.º Ciclo: existe um regime especial (Lei n.º 77/2009, de 13 de agosto) para formandos de 1975/76 fenprof.pt, mas que hoje só favorece um punhado de gerações, tornando-se anacrónico. Por fim, as Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) são meramente referidas numa linha vaga sobre “atualizar financiamento e regulamentação”, sem propostas concretas para torná-las mais leves, lúdicas e inclusivas – quando pais e educadores as consideram, demasiadas vezes, cansativas e pouco adaptadas às necessidades reais das crianças.

Propostas adicionais que poderiam enriquecer o programa:

  1. Redução da carga letiva no 1.º ciclo: Passar de 25 para cerca de 22 horas semanais, simplificando o horário e privilegiando pausas ou atividades livres. Menos horas formais por dia responde melhor ao ritmo das crianças pequenas eurydice.eacea.ec.europa.eu.
  2. Fim da monodocência (pluridocência pedagógica): Substituir o regime atual por equipas de professores especializados por área (p. ex. português, inglês, matemática, estudo do meio, artes), ou, pelo menos, introduzir grupos temáticos, dando às crianças contacto com vários docentes e aliviando os professores do 1.º Ciclo. Isto enriqueceria o currículo e distribuiria melhor a carga letiva.
  3. Aposentação justa e solidária: Unificar a idade de reforma dos professores, mas reconhecer desigualdades vigentes no regime da carreira docnte para quem esteve mais tempo em contacto direto com alunos. Por exemplo, caso se mantenha uma idade de reforma comum (65/66/67 anos), permitir a antecipação da aposentação, sem penalizações adicionais, correspondente aos anos extra prestados nas turmas do 1.º Ciclo, em regime de monodocência. Assim, garantir-se-ia justiça sem criar as presumidas regalias do século passado.
  4. Revisão das AEC com pedagogia lúdica: Transformar as AEC em atividades extracurriculares efetivamente divertidas e diversificadas (teatro, música, robótica, jardinagem, desporto leve...), reduzindo o número de disciplinas repetitivas. Assegurar alternância entre docentes habilitados e monitores formados em animação criativa, para que as atividades sejam um prolongamento motivador do horário escolar em vez de assumirem foros de mais um castigo extra.
  5. Formação contínua centrada no humano: Reforçar o apoio psicológico e pedagógico aos professores, promovendo cursos de gestão de sala de aula, didática inovadora e bem-estar infantil. Incluir nos planos de formação técnicas de empatia, educação inclusiva e mindfulness para professores e alunos. Assim, colocaríamos a criança no centro, não apenas as ferramentas tecnológicas.

Propostas específicas de fundo:

  • Revogação do regime de monodocência: Defendo, há muito, que o governo deveria eliminar formalmente o modelo atual, seguindo tendências europeias. Adotar a pluridocência parcial, como grupos temáticos ou mini-subjects no 3.º e 4.º anos, aliviando o professor titular. Essa evolução evitaria a situação bizarra em que um único profissional assegura 25 horas de disciplinas heterogéneas, sujeitando as crianças a ritmos, por natureza, potencialmente monótonos.
  • Redução da carga horária dos alunos: Garantir dias letivos mais curtos e menos disciplinas sobrepostas no 1.º Ciclo. Por exemplo, adiar a pausa para o almoço, introduzir uma sesta ou um momento de descanso pós-refeição, e concentrar conteúdos essenciais no período da manhã. A pedagogia holística, assinale-se, recomenda menos horas diretas e mais tempo de brincadeira estruturada, reforçando o bem-estar e a aprendizagem natural das crianças.
  • Reforma do regime de aposentação: Alinhar, depois de equiparada a carga letiva semanal e respetivas reduções por idade, a aposentação dos professores do 1.º Ciclo com os demais ciclos, acabando com as exceções ultrapassadas de 2009 fenprof.pt. Proponho uma idade de reforma comum (por ex., 65/66/67 anos), mas com reconhecimento do desgaste acrescido do 1.º Ciclo através de compensações (ver ponto 3 anterior). Destarte respeitar-se-ia a igualdade entre pares enquanto se honraria a dureza da tarefa inicial do básico.
  • Reformulação das AEC: Torná-las verdadeiramente inclusivas e lúdicas. Em vez de currículos cansativos, assentes no reforço académico, incluir oficinas efetivamente artísticas, científicas e desportivas dinamizadas por diferentes parceiros locais (autarquias, museus, clubes, universidades...). Reduzir o número de horas obrigatórias e permitir escolhas diversificadas pelas crianças

 

Esta minha apreciação crítica não pretende ocultar que o programa do XXV Governo acerta em algumas metas modernizantes (educação pré-escolar, digitalização e apoio social escolar), mas falha quando opta por não enfrentar problemas estruturais antigos – monodocência, bur(r)ocracia, interferência autárquica ou sobrecarga horária – deixando escapar a essência de uma educação holística e humanista, centrada no bem-estar infantil e no respeito pelo Professor. Oxalá, assumo-o num rasgo de sonsa ingenuidade, o exercício do poder possa trazer, como dizia o treinador de futebol Artur Jorge, (outras) "coisas bonitas". Difícil, mas possível.