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O Banquete

A República de Platão é o livro mais conhecido do filósofo grego. Contudo, em "O Banquete", também conhecido como Simpósio, Platão vai discutir as naturezas do amor e da alma.

Estratégia Local de Saúde: entre o essencial e o que falta

08.11.24 | Servido por José Manuel Alho

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Uma estratégia local de saúde – nome pomposo para um plano que, no papel, promete milagres – é, na prática, um esforço para mitigar as lacunas gritantes que o sistema não cobre. Em vez de soluções prontas e universais, que ninguém à escala local pode sequer sustentar, trata-se de, a partir das necessidades reais, conceber uma resposta que faça o possível para as remediar. No fundo, o objetivo é trazer o acesso à saúde de volta à comunidade, adaptando medidas à realidade do terreno e, sobretudo, ao que realmente falta.

E porque é que é importante? Porque esta estratégia é o que permite, ou pelo menos tenta, evitar que a comunidade dependa de miragens ou dos populismos de quem tudo promete. É um esforço para que as promessas de “acesso para todos” se tornem em algo mais palpável, uma vez que a saúde não chega de autocarro. Numa realidade pontuada pela falta de meios (onde, por exemplo, pode um cidadão, em Albergaria,  realizar um Raio-X?) e de médicos, é a possibilidade de encurtar distâncias, evitando que quem mais precisa fique por sua conta ou, simplesmente, para trás.

Para uma Câmara Municipal que queira implementar uma estratégia local de saúde, o primeiro passo é (re)conhecer o terreno: saber exatamente quais são as carências, onde estão as lacunas e quem são as pessoas que mais dependem desse apoio. De pouco adiantará fazer promessas cegas e a esmo. De seguida, é essencial assumir a vontade política de garantir que os recursos disponíveis – financeiros, técnicos e humanos – são direcionados para medidas que tenham um impacto direto na comunidade. Nada de ações grandiosas, disfarçadas de eventos para a fotografia. É preciso agir com sentido prático, com o foco virado para resultados concretos.

 

Estratégia Local de Saúde: entre o essencial e o que falta

Objetivos

  1. Sim, garantir saúde para todos é o mínimo esperado. Mas e quando faltam médicos e meios? É preciso, então, aproximar o que existe do cidadão, até onde se puder chegar. Porque, sem presença efetiva, o acesso à saúde fica-se pelos discursos.
  2. Promover uma igualdade que seja mais do que um chavão. Que a estratégia local sirva ao cidadão comum, aquele que nem sempre tem "mobilidade" (ou recursos) para procurar saúde.

Estratégias

  1. Mitigar a falta de Médicos de Família e melhorar a qualidade do atendimento à saúde.
  2. Reforço dos Cuidados Primários com quem ainda temos: Numa realidade em que médicos escasseiam – eu e os meus, estivemos, por um par de anos, sem Médico de Família – resta criar equipas onde quem está (médico, enfermeiro, técnico) faz o trabalho de quem não vem. Vale mais garantir atendimento próximo do que empurrar doentes para um hospital a quilómetros.
  3. Parcerias e Flexibilidade: Se não há como montar um serviço robusto de exames, então é chegada a hora de acordos externos. Se clínicas ou parceiros privados podem providenciar os recursos em falta, que se avance – o importante é pôr o bem-estar acima das rivalidades institucionais ou de outros constrangimentos ideológicos.
  4. Descentralizar com Presença (não só no papel): Nada de limitar o atendimento a centros fixos ou às chamadas Unidades Locais de Saúde (ULS). Onde o cidadão estiver, que esteja também a saúde: unidades móveis e visitas regulares para onde o autocarro não chega e onde o idoso já não conduz.

Os poderes locais podem sempre socorrer-se de um conjunto de desculpas para justificar a ausência de uma estratégia local de saúde, mas muitas delas poderão ser, no mínimo, questionáveis. As mais comuns centram-se na falta de recursos financeiros, na dependência de diretrizes nacionais para se isentarem de responsabilidades ou, no cúmulo do desespero, na concluisão de que já apoiam o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que isso é suficiente, desprezando a necessidade de uma abordagem local mais proativa.

Medidas

  1. Criação de incentivos para atrair e reter profissionais de saúde, combinadas em articulação com o poder central. Querendo, qualquer edilidade pode gizar pacotes de incentivos financeiros, como subsídios para habitação, bónus de contratação ou aumento de salários para médicos que se comprometam a trabalhar no município por um período mínimo de tempo.
  2. Telemedicina sem rótulos: Consultas à distância, não como "moda" mas como necessidade crua e dura. Quando faltam médicos, o essencial é uma voz que oriente, ao vivo ou pelo ecrã.
  3. Prevenção e Autonomia local: Educação e autocuidado não se impõem; conquistam-se. Que cada freguesia possa participar, aprender a lidar com o próprio bem-estar e, ao mínimo pretexto, evite falsas emergências.
  4. Apoio a Cuidados Domiciliários: Se o hospital não vem ao doente, que o doente não se veja na contingência de se colocar em risco. Uma pequena, mas eficiente rede de enfermeiros que cubra domicílios previamente identificados com visitas para idosos, doentes crónicos ou para quem precisa de cuidados contínuos.

Monitorização

  1. Indicadores de Qualidade local: Menos relatórios estéreis e mais números que reflitam a ação concreta. Seja o número de visitas às áreas isoladas, consultas realizadas ou teleconsultas, tudo deve ser periodicamente divulgado. Só assim se vê se a promessa de fazer mais e melhor teve alguma consistência.
  2. Feedback da Comunidade: Inquéritos aos utentes, mas feitos para ouvir o que serve e o que falta. É preciso saber se as consultas (não) chegam ou se o teleatendimento não foi além de uma esperança vã.
  3. Análise de dados locais e objetivos: Números de registos médicos locais para aferir a saúde crónica do nosso Concelho. Um quadro estatístico não muda a realidade, mas pode, pelo menos, indicar onde agir prioritariamente.

 

Os poderes locais podem sempre socorrer-se de um conjunto de desculpas para justificar a ausência de uma estratégia local de saúde, mas muitas delas poderão ser, no mínimo, questionáveis. As mais comuns centram-se na falta de recursos financeiros, na dependência de diretrizes nacionais para se isentarem de responsabilidades ou, no cúmulo do desespero, na conclusão de que já apoiam o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que isso é suficiente, desprezando a necessidade de uma abordagem local mais proativa.

Na verdade, tamanho leque de escapatórias, embora podendo ter algum fundo de verdade, carecem, muitas vezes, de substância e poderão, no limite, ser vistas como uma forma de alijar a responsabilidade de encarar as questões de saúde pública de forma eficaz.

José Manuel Alho