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O Banquete

A República de Platão é o livro mais conhecido do filósofo grego. Contudo, em "O Banquete", também conhecido como Simpósio, Platão vai discutir as naturezas do amor e da alma.

Uma crónica | A importância de gente vulgar

17.01.25 | Servido por José Manuel Alho

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Rui Almeida, indivíduo com quatro dezenas de anos de uma existência recatadamente vivida, trabalha na Junta de Freguesia da sua terra natal, com uma densidade populacional que não desafia a média de uma vila progressivamente envelhecida. Há cerca de treze anos que lida com o povo e professa lealdade aos dois presidentes de Junta que já conheceu por terem sido eleitos pelos seus concidadãos. Com um curso técnico-profissional de Secretariado e Administração, ajuda o autarca a gerir tarefeiras e os cinco funcionários na direta dependência da Junta. Apesar da estima e consideração dos populares, que até o tratam por “Ruizinho”, não alimenta a ambição de ingressar na vida política, nem de subscrever ou apoiar quaisquer forças políticas.

Discreto e de fácil trato, não se distingue pelo seu modo de vestir. A ganga há muito que seduziu as suas pernas e a sobriedade que empresta à sua atitude transmite-a às camisas e às malhas, adereços que nunca conheceram a inusitada intromissão da gravata. Rui é casado e pai de um filho a frequentar o segundo ano de escolaridade. De manhã, faz questão de o levar ao portão da unidade de ensino e, às dezassete horas, lá está para o recolher no OTL afeto à escola que um dia também o ajudou a aceder às primeiras letras e números. Na verdade, este nosso amigo é simplesmente vulgar. Na sua adolescência e juventude não deu trabalho aos pais, foi um estudante mediano, não tem dívidas e o seu carro mais não é do que a extensão do seu temperamento.
Contudo, é um funcionário competente. Só, almofadado por dois computadores, faz andar a “máquina” que soube montar. Muitas vezes, é o assessor que um qualquer presidente gostaria de ter. Diligente, interessado e muito atento aos detalhes, ele é o homem que o povo respeita. Sempre que fala, opta por um registo monocórdico, que transmite tranquilidade. Em resumo, é um profissional que exerce, com assinalável eficácia, as suas funções, sabendo ouvir e, sempre que necessário, persuadir os utentes.

Às onze horas, quando chega o presidente para “despachar”, um homem bom, mas genericamente bronco, daqueles que cativa o eleitorado com febras e sardinhadas, já só precisa de se sentar porque os atestados de residência, as certidões exigidas pelas entidades bancárias para a concessão de créditos bancários, entre outra previsível documentação, há muito que estão sob a sua mesa aguardando a sua imprescindível assinatura, feita
demoradamente com a ponta da língua dobrada entre dentes. Porque tempo é dinheiro, Ruizinho faz o resumo das principais questões que carecem de ser analisadas e, subtilmente, vai sugerindo possíveis resoluções. O homem tem tudo sob controlo!

Rotinado e previsível, poucos se apercebem da sua utilidade. Leva muito a sério a máxima “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Contrariando a tendência adotada por muitos serviços e autoridades públicos e mesmo que os requerentes sejam, como diz o presidente, “ranhosos da oposição”, faz questão de, em três ou quatro dias, redigir e remeter a competente resposta escrita. Pensa “se fosse eu, também exigiria uma resposta”. Percebe, mas não aceita os políticos que têm medo da palavra escrita.
Ironicamente, é o executivo da Junta que, muitas vezes, recebe os louros sob a forma de elogios públicos, dos tais que compõem o ramalhete nas reuniões da Assembleia Municipal. Muitos, olhando para a degradada figura do presidente, indagam perplexos: ”mas como é possível?!”  

Neste tempo em que o país estará, no espaço de um ano, convocado a fazer opções que ajudem elevar a autoestima e os níveis de produtividade da esmagadora maioria dos seus sectores, o ideal seria contarmos com os préstimos de gente genuinamente vulgar, isto é, de funcionários intencionalmente profissionais, eficazes, dedicados e atentos aos detalhes. Muito do que nosso país almeja se conseguirá à custa de pessoas vulgares, sóbrias, mas reconhecidamente diligentes, cuja valia se medirá pelo acumular de pequenas vitórias que lograrão alcançar.

Quase sempre o êxito assenta em pequenas vitórias de muitos. Em cada um, reside a possibilidade de, se quiser, ser um vencedor que contribua para o êxito de todos. Não se desculpem com os defeitos dos outros, nem contem com as qualidades de gente supostamente notável. Já todos testemunhámos ou vimos, nas mais diversas áreas, obras erigidas à custa de muitos defeitos e empreendimentos surpreendentemente destruídos por gente alegadamente repleta de qualidades. Lá no fundo, (só) temos características, que importa convocar e mobilizar em nome de ambições coletivas.